Para mim, descrever os textos bíblicos com a mesma paixão que eu sinto por estes ensinamentos, é um grande desafio, pois, por mais que eu queira é sempre insuficiente e sempre sou tentado a retocar o texto, é como uma obra eternamente inacabada, no mesmo tempo estamos lidando com os mistérios de Deus e aqui, um pequeno passo na direção certa já é muito. Mas um dia quero voltar e reescrever a mesma passagem somente para perceber o quanto os meus cabelos brancos, os quais ainda não os tenho, afetarão as minhas percepções, pois a teologia é tão dinâmica quanto a nossa realidade.
Na passagem em questão vamos juntar partes de três evangelistas, ambos são a mesma passagem mas, um tem uma preocupação e outro tem outra. Quando observadores vislumbram o mesmo acontecimento as suas conclusões nunca são 100% idênticas, é como que se um observasse pelo lado direito do acontecimento e outro pelo lado esquerdo; um vê do alto e o outro vê de baixo; um é escrito em uma época e outro uma dezena de anos depois.
Com isso espero obter uma compreensão melhor, vamos pegar detalhes de cada um destes autores, particularmente esta é a fórmula que eu mais gosto de estudar os textos e é também a forma mais frutífera.
Os personagens centrais são duas mulheres, uma já de idade e outra muito jovem; uma muito doente e outra morta; uma tenta sobreviver e outra recebe a interseção de seu pai, junto a Jesus, e ressuscita.
Novamente um texto rico em símbolos e aqui temos um marco muito importante que transforma o velho e também marca o início do novo.
Para contrastar melhor vou pegar partes de um evangelista e remontar o mesmo texto a fim de fazer uma única passagem. Mas mesmo assim recomendo a leitura integral das três passagens posteriormente.
As passagens e as seqüências são as mesmas sem remover absolutamente nada e fica como se houvessem três narradores intercalando-se:
Mateus (9, 16 – 17) - “Ninguém põe remendo de pano novo em roupa velha, porque o remendo repuxa a roupa e o rasgão torna-se maior. Nem se põe vinho novo em odres velhos; caso contrário, estouram os odres, o vinho se entorna e os odres ficam inutilizados. Antes, o vinho novo se põe em odres novos; assim ambos se conservam”.
Marcos (5, 21 – 39) - “E de novo atravessando Jesus de barco para o outro lado, uma numerosa multidão o cercou, e ele se deteve à beira-mar. Aproximou-se um dos chefes da sinagoga, cujo nome era Jairo, e vendo-o, caiu aos seus pés. Rogou-lhe insistentemente, dizendo: “Minha filhinha está morrendo. Vem e impõe nela as mãos para que ela seja salva e viva”. Ele o acompanhou e numerosa multidão o seguia, apertando-o de todos os lados.
Ora, certa mulher que havia doze anos tinha um fluxo de sangue e que muito sofrera nas mãos de vários médicos, tendo gasto tudo o que possuía sem nenhum resultado, mas cada vez piorava mais, ouvira falar de Jesus. Aproximou-se dele, por detrás, no meio da multidão, e tocou seu manto. Porque dizia: “Se ao menos tocar suas roupas, serei salva”. E logo estancou a hemorragia. E ela sentiu no corpo que estava curada de sua enfermidade. Imediatamente, Jesus, tendo consciência da força que dele saíra, voltou-se para a multidão e disse: “Quem tocou minhas roupas? Os discípulos disseram-lhe: “Vês a multidão que te comprime e perguntas ‘Quem me tocou?’ Jesus olha em torno de si para ver quem havia feito aquilo. Então a mulher, amedrontada e trêmula, sabendo o que havia sucedido, foi e caiu-lhe aos pés e contou-lhe toda a verdade. E ele disse-lhe: “Minha filha, a tua fé te salvou; vai em paz fique curada desse teu mal”.
Ainda falava, quando chegaram alguns da casa do chefe da sinagoga dizendo: “Tua filha morreu. Por que perturbas ainda o Mestre?” Jesus, porém, tendo ouvido a palavra que acabava de ser pronunciada, disse ao chefe da sinagoga: “Não temas; crê somente”. E não permitiu que ninguém o acompanhasse, exceto Pedro, Tiago e João, o irmão de Tiago. Chegaram à casa do chefe da sinagoga, e ele viu um alvoroço. Muita gente chorando e clamando em voz alta. Entrando disse: “Por que este alvoroço e este pranto? A criança não morreu; está dormindo”. Lucas (8, 53 – 56) – “E caçoavam dele, pois sabiam que ela estava morta. Ele, porém, tomando-lhe a mão, chamou-a dizendo: “Criança, levanta-te!” O espírito dela voltou e, Marcos (42) no mesmo instante, ela ficou de pé, pois já tinha doze anos. Lucas (8, 55 – 56) E ele mandou que lhe dessem de comer. Seus pais ficaram espantados. Ele, porém, ordenou-lhes que a ninguém contassem o que acontecera.
Observando a introdução que Mateus da a esta passagem, ele se preocupa com um detalhe importante que está nos exemplos que Jesus ricamente propõe em forma de parábolas, que são os odres e os remendos. Para os odres velhos Jesus é o vinho velho, profetizado e esperado pelo antigo judaísmo (Messias ou Filho de Davi); e para os odres novos Jesus é o vinho novo, a Boa Nova de Deus, a mesma fórmula é aplicável aos remendos velhos e novos.
Marcos nos diz o nome do pai da menina: Jairo, que vem hebraico e que quer dizer: iluminado de Deus, animado por Deus. A profissão do Sr. Jairo é chefe de sinagoga, ele é uma pessoa que está a frente da comunidade judaica de sua época, este pai ligado às tradições compreendeu quem é Jesus.
Marcos nos mostra a movimentação da mulher hemorroíssa, que também está em busca da ajuda de Jesus: Aproximou-se dele, por detrás, no meio da multidão, e tocou seu manto. Porque dizia: “Se ao menos tocar suas roupas, serei salva”. Os doze anos que aquela mulher sofreu também nos da uma boa pista (doze tribos, comunidades em comum) e por ter uma certa idade, aqui ela representa o antigo – odre velho.
Com a menina o número doze também se repete, assim como no Novo Testamento (doze são os Apóstolos) e por ser uma criança representa o novo – odre novo.
Tanto o Antigo quanto o Novo estavam correndo perigo, para o Antigo a ignorância e o poder adquirido que corrompeu os seus lideres e agora se sentem este "poder" ameaçado por Jesus (menos Jairo). A ameaça para o Novo, era a ignorância, pois seus discípulos ainda haviam compreendido a exata dimensão do que quer dizer ressurreição, tanto que quando Jesus é capturado e condenado, todos fogem.
Lucas é quem nos da uma pista maravilhosa quando escreve: “O espírito dela voltou”, muito semelhante a Pentecostes, quando o medo de todos ameaçava o Projeto, e quando o Espírito de Jesus retorna com sua luz, todos entendem a dimensão real da sua missão e se espalham para levar a Boa Nova à todos. E o mesmo projeto que parecia ter morrido junto com Jesus, é reavivado e tem a sua sequência.
Lucas é quem nos da uma pista maravilhosa quando escreve: “O espírito dela voltou”, muito semelhante a Pentecostes, quando o medo de todos ameaçava o Projeto, e quando o Espírito de Jesus retorna com sua luz, todos entendem a dimensão real da sua missão e se espalham para levar a Boa Nova à todos. E o mesmo projeto que parecia ter morrido junto com Jesus, é reavivado e tem a sua sequência.
Com estes elementos Jesus quer nos mostrar que não se faz necessário extinguir o antigo e iniciar algo totalmente novo, Jesus é a continuação do judaísmo que a final encontrou o seu anunciado messias e aos Apóstolos é reservada a tarefa de levar este Jesus a todos os demais, jogar a rede do outro lado, ir para outras margens, tanto que, quando Jesus encontra a samaritana Ele não se mostra preocupado em converte-la, nem tão pouco o geraseno, Jesus somente está preocupado com transformar a realidade caótica em consciência, amor, justiça...
Aos desejosos por tradição Jesus é o vinho velho, pois, todas as profecias se convergem à Ele; aos frustrados com o antigo, Jesus é o vinho novo. Jesus tanto se apresenta como vinho velho para o odre velho, como vinho novo para o odre novo.
Quando se faz um levantamento teológico uma observação muito importante é determinar, se possível, em que dia da semana está a passagem, e quem nos diz é Marcos, dois versículos a frente: (6, 2) “Vindo o sábado...”, isto nos coloca na sexta-feira que é o dia do sacrifício de Jesus (cisão, velho e novo).
Em Jesus, ser um jarro novo ou não é escolha de cada um, não necessariamente temos que quebrar o jarro velho, a final de contas, um jarro feito hoje amanhã também envelhecerá.
Estes conflitos também estão presentes nos dias de hoje, principalmente em duas instituições: família e religião. As religiões estão no mesmo caso da mulher e da menina e a família é o mesmo dos remendos. A solução para ambas continua sendo a mesma, Jesus.
Quadro (detalhe): Carlos Araujo - "Talítha kum" Bíblia - Citações"
Esta reflexão também teve a colaboração de Maria Helena.
Estes conflitos também estão presentes nos dias de hoje, principalmente em duas instituições: família e religião. As religiões estão no mesmo caso da mulher e da menina e a família é o mesmo dos remendos. A solução para ambas continua sendo a mesma, Jesus.
Quadro (detalhe): Carlos Araujo - "Talítha kum" Bíblia - Citações"
Esta reflexão também teve a colaboração de Maria Helena.
Oi Colonhesi, estava meditando sobre essa leitura, "não se remenda roupa velha com tecido novo.".Nada mais confortável que um velho jeans, ele foi amaciado em nosso dia a dia, é o conforto do amadurecimento, perdemos inseguranças e alguns medos. Mas, estamos em eterno aprendisado e para isso que vale essa vida que Deus nos deu. Então é aquele novo jeans, que chamaria de filho, pessoas que conhecemos ao longo de nossa vida e que com o tempo ele será um confortável jeans amaciado. Vamos cozer nosso velho jeans e aceitar as marcas do tempo. Mas valorizar a beleza e vitalidade do novo jeans, ele nos mostra coisas novas.
ResponderExcluirÉ Iris, eu também não abro mão do meu jeans, tenho certeza que se os jeans e Jesus fossem contemporâneos, Jesus teria o utilizado em suas parábolas
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